quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Clube da Luta











Muita gente não sabe, mas o famoso Clube da Luta de David Fincher é na verdade baseado num livro. O livro homônimo foi escrito por Chuck Palahniuk, um escritor norte-americano famoso por gostar de brincar com o lado estranho dessa nossa sociedade moderna, apresentando histórias bizarras e engraçadas. Porém, Chuck não gosta de ficar só na superficialidade de piadas de humor negro e situações inusitadas, e em seu trabalho dá pra notar um grande espírito anárquico e conspiracionista de um sujeito insano que não tem medo de dizer o que a gente tem medo de ouvir.


Se você já viu Clube da Luta, você já pode dizer que tem uma idéia de quem é Chuck Palahniuk. A maioria dos seus livros seguem o esquema do filme: humor negro, violência gráfica, cultura inútil, e acima de tudo, uma mensagem.















O filme nos conta a entediante e nem um pouco interessante história de um cara qualquer cujo nome não é mencionado uma vez que ele é simplesmente um sujeito insignificante e seu nome não é importante, vivido por Edward Norton. O protagonista em questão se trata de um infeliz qualquer com a vida mais miseravelmente chata que se possa imaginar, trabalhando o dia inteiro num escritório tedioso sob o controle de um chefe babaca. Empregado por uma empresa automobilística, seu trabalho consiste em fazer estatísticas de custo-benefício. Além de ser constantemente mandado em longas e tediosas viagens de avião que estragam o seu sono, ele é forçado a escrever relatórios sobre coisas que ele não entende e tirar cópias de documentos cujas finalidades ele não sabe.


Nosso herói passa o dia inteiro no seu trabalho enfadonho, mas basicamente porque não tem nada melhor pra fazer. Dessa forma, ele ganha um salário razoável, mas não tem idéia de como gastar o dinheiro já que ele não tem nenhum hobby. Para fingir que acha que esse dinheiro todo vale alguma coisa, ele vasculha catálogos de compras atrás de coisas caras que ele não precisa, comprando tudo o que vê e gastando todo o seu dinheiro enquanto entulha o próprio apartamento.


A vida do nosso bravo aventureiro termina entrando numa espiral infinita de chatice e infelicidade depois que, apesar de tudo que ele já tem que aturar, ele começa a sofrer de insônia crônica, fica dependente da infelicidade de gente moribunda para se sentir menos infeliz, e, o que é pior e mais intensamente insuportável: ele se apaixona. Sua vida chega a um ponto onde só o que resta é enlouquecer e destruir o mundo ao seu redor.











É nesse beco-sem-saída que o nosso herói conhece ninguém menos que Tyler Durden. Mas quem é Tyler Durden, você pergunta? Isso é um mistério. Pode-se dizer que ele é interpretado pelo Brad Pitt, mas fora isso, Tyler é um mistério em si. Um vendedor de sabonete caseiro com ideais niilistas e anarco-primitivistas, que nutre uma paixão pelo caos e a violência enquanto nutre um ódio pela cultura de consumo. Não é só por ser o perfeito oposto dele mesmo que o narrador se fascina por Tyler, mas também pelo jeito que ele anda, fala, se veste, e acima de tudo se porpõe a ajudar.


O que o nosso bravo herói não faz idéia é que a ajuda que Tyler oferece não se trata de um ombro amigo, mas sim de um punho.


É a partir desse ponto no filme que ficamos conhecendo as verdadeiras intenções de Tyler, e o próprio tema do filme fica claro. O Clube da Luta do título a princípio soa como algo tão simples quanto um bando de caras entediados atrás de uma forma prática de estravazar a raiva e provar sua masculinidade, mas depois acaba se mostrando como o primeiro passo de muitos passos que o narrador toma em direção a uma nova dimensão de caos e violência.











É um daqueles filmes que gera facilmente uma discussão ideológica entre amigos quando se é mencionado em meio a uma conversa sobre filmes. Rola muita contradição na cabeça do espectador quando ele vai se decidir de qual lado ele está enquanto assiste o filme. A grande dúvida para a maioria desses espectadores é a de se ele concorda ou não com Tyler. Afinal, Tyler é uma espécie de porta-voz do lado destrutivo e anárquico do homem moderno, aquele que a gente é ensinado a reprimir desde a infância. No fundo, nós queremos fazer as coisas do jeito que ele sugere, mas a gente sabe que isso só geraria mais problemas. Mesmo assim, há algo de sedutor na ideologia pregada por Tyler Durden, e quando nos deparamos com ela, começam a surgir dúvidas sobre a nossa própria sanidade.


Dito isso, bem vindo ao mundo do nosso querido narrador. Talvez o personagem dele não tenha nome simplesmente para que você possa batizá-lo com o seu próprio nome e assim se colocar no lugar dele. Dessa forma, é mais fácil para você se perguntar o que você faria se cruzasse com Tyler Durden, ouvisse o que ele tem a dizer, e fosse nesse Clube da Luta, assim como nosso herói. Como você deve imaginar, o Clube da Luta não é composto apenas por dois caras, mas sim vários deles. Todos eles passaram pelo que o narrador e o espectador passam ao longo do filme, sendo atraídos por Tyler e tendo seus gênios destrutivos instigados pela promessa de que a violência e a selvageria só deixam você mais livre e assim você constrói um mundo melhor. Mas o Clube da Luta é só o início, só o primeiro degrau de toda uma escadaria de ódio, caos e sabão.


Não é muito difícil entender porque o filme gera tanta polêmica dentro e fora das nossas mentes. O narrador representa aquele cara que todos nós temos medo de ser: infeliz, entediado, afetado e controlado por um sistema que ele nem sabe como combater. Já Tyler é o nosso herói, o cidadão modelo para o homem moderno; ele é carismático, sagaz, tem a cara de um galã de cinema (literalmente), espanca qualquer um, veste roupas estilosas, não tem nada a perder e sabe como combater o sistema que ele tanto odeia. Pergunte a qualquer um, de preferência você mesmo, qual dos dois você prefere ser.


A verdade é que Clube da Luta é um filme decididamente direcionado ao público masculino. Não que seja um "filme de macho", cheio de peitos e explosões, mas sim porque passa uma mensagem com a qual um espectador homem se identifica com mais facilidade. As espectadoras mais inteligentes com certeza não vão ter nenhuma dificuldade em se colocar na situação de um homem em crise, como no caso do narrador, mas a maior parte do público feminino não vai dar nenhuma importância aos conflitos internos do personagem principal e só vão querer ver o filme por causa do Brad Pitt.











Por falar no sujeito, eu diria que a atuação dele nesse filme é tão boa quanto o roteiro, o trabalho de edição e todos os outros pontos altos da produção. Ele e Fincher têm uma parceria de longa data, e fora Clube da Luta também fizeram Se7en e O Curioso Caso de Benjamin Button, ambos grandes sucessos. Brad Pitt se consagrou como galã de cinema, mas na hora de fazer personagens sujos e politicamente incorretos ele também não deixa a desejar. Bons exemplos desses personagens são o Tenente Aldo Raine, o anti-herói judeu do Bastardos Inglórios de Tarantino, ou mesmo o Mickey O'Neal de Snatch e o Early Grayce de Kalifornia, ambos caipiras sujos e homicidas que mesmo cabeludos e com a barba por fazer ainda têm a mesma cara do Brad Pitt que eu e você conhecemos. Mas talvez tenha sido em Clube da Luta que Brad Pitt mostrou para Hollywood que não era só mais um rostinho bonito, e que quando surgia a nescessidade de se encaixar numa produção um personagem cruel e carismático, lá estava ele de prontidão.


E claro, como ele não é o único bom ator no filme inteiro, também merecem menções honrosas os outros atores principais. Ed Norton transmite bem a infelicidade e o desespero do narrador no período pré-Clube da Luta do filme, e transmite igualmente bem a sua satisfação selvagem no pós-Clube da Luta. Também temos aqui pontas nobres de Meat Loaf ("His name is Robert Paulson.") e Jared Leto, que mal aparecem mas ainda assim marcam. Helena Bonham Carter, praticamente a única mulher do elenco inteiro, também não fica pra trás na pele de Marla Singer, uma personagem tão excêntrica, sombria e estranhamente atraente como ela própria.











Clube da Luta é um filme que por bem ou por mal marcou os anos 90. É o tipo de filme sobre o qual qualquer fã de cinema de hoje em dia já ouviu falar alguma vez, seja como a obra-prima de David Fincher, a suposta melhor atuação do Brad Pitt, o filme favorito de qualquer adolescente anarquista revoltado, ou mesmo o filme que gerou tanta polêmica logo aqui no Brasil, onde um atirador metralhou uma plateia num cinema da zona sul de São Paulo durante a exibição do filme. Mas no fim, tanto faz se Clube da Luta é amado ou odiado pela sua mensagem instigante e perigosa, pois essa polêmica ainda existe através dos anos, o que consolida o objetivo audacioso do nosso Chuck Palahniuk de nos mostrar o quão fácil é instigar o lado destrutivo de nós homens modernos. Até hoje, Tyler Durden ainda assombra o cinema com seus ideais anárquicos, urrando as duas primeiras regras do Cluba da Luta e brandindo suas barras de sabão explosivas.

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