sábado, 17 de outubro de 2009

Oldboy










O cinema do século XXI provavelmente não estava pronto no ano de 2003, quando o diretor coreano Chan-wook Park nos apresentou Oldboy. Talvez, se tivesse sido feito trinta anos antes e com um orçamento dez vezes menor, apimentado com doses e mais doses de violência gratuita e descoberto no ocidente apenas vinte anos depois, o filme hoje fosse uma pérola do cinema B oriental, do tipo que você comenta como sendo o filme vai violento e perturbador que você já viu na vida. Mas ao invés de tudo isso, Oldboy nos foi apresentado a menos de dez anos, como uma produção séria e um tanto quanto ambiciosa, e além de tudo fiel à sua própria temática. No final, talvez tenha sido melhor, porque é essa temática que faz do filme algo único.


Oldboy é parte da chamada "Trilogia da Vingança", composta por ele, Mr. Vingança e Lady Vingança. Os três filmes foram dirigidos por Park quase que em sequência ao longo da primeira metade da década, e tratam todos do mesmo tema. Esse tema é, evidentemente, a vingança, que nos é apresentada nos três filmes como uma espécia de fantasma que assombra as mais distintas pessoas pelas mais distintas razões, e que teoricamente só passa a descansar em paz quando a "justiça" é feita. Claro que isso tudo é só uma metáfora, eu não quero ninguém aqui indo ver esses filmes esperando ver filmes de terror.


Ou será que quero?










A verdade é que Oldboy pode ser mais aterrorizante do que qualquer filme de terror paranormal de segunda. E eu não me refiro à violência das cenas de ação, ou da brutalidade das cenas de morte ou tortura. Ainda mais porque a porradaria vista aqui não é mais intensa do que a dos filmes do Bruce Lee (talvez um pouquinho, na verdade), e a maioria das atrocidades são apresentadas off-screen. Oldboy é um filme perturbador do ponto de vista humano, tanto da história quanto da temática de tragédia grega que o filme toma.


Oh Dae-Su é um coreano de meia-idade, pai de família e homem de negócios. Uma bela noite, no dia do aniversário da sua filha Yeun-Hee, Oh Dae-Su termina indo parar em uma delegacia depois de exagerar na manguaça. Seu amigo Joo-Wan aparece por lá, e faz questão de pagar sua fiança e se desculpar pelo incômodo causado pelo colega embriagado. Depois, debaixo de chuva, Oh Dae-Su telefona para casa de um orelhão, para desejar a filhinha um feliz aniversário. Quando Joo-Wan pega o telefone para avisar à mulher do amigo que ele está passando bem, ele se toca que Oh Dae-Su simplesmente desapareceu.


A trama a partir daí se assemelha a uma versão moderna de O Conde de Monte Cristo; Vemos Oh Dae-Su preso em uma espécie de quarto de hotel mobiliado, sujo, sem janelas e uma porta que só abre pelo lado de fora. A comida é entregue por uma portinhola e por um sujeito que não se identifica, além de toda noite inundarem o quarto de Oh Dae-Su com um gás sonífero para lhe darem banho e trocarem suas roupas. Desnecessário dizer que ele não tem a mais vaga idéia de como ele foi parar lá e, o mais importante, por quê.


Depois de vermos Oh Dae-Su passar 15 anos nesse cárcere privado e se transformar em um psicopata violento e viciado em televisão, o filme toma sua primeira reviravolta: Nosso anti-herói é simplesmente libertado, e um belo dia acorda do lado de fora. Porém, ele tem pouco tempo para usufruir da liberdade, pois lhe são dados por um homem misterioso exatos 5 dias para descobrir a razão de seu sequestro e, o mais importante, uma chance de se vingar. E Oh Dae-Su, que mataria por essa chance, entra com tudo numa das mais brutais e estranhas jornadas da história do cinema.








Oldboy merece um crédito especial quando comparado a outros filmes de ação dos últimos anos. Às vezes parece que violência gráfica virou uma espécie de enlatado com um rótulo ridículo, ao invés de uma forma de expressão artística. O mesmo vale para outras perversidades nas histórias de ficção: sexo explícito, humor negro, atitudes geralmente policamente incorretas; Coisas que começaram com tabus e eventualmente viraram arte pelas mão de artistas tão talentosos quanto depravados. Hoje em dia é raro ver um filme com qualquer um desses elementos, quem dirá todos eles, que não os utilize só para satisfazer fantasias indecentes do espectador padrão.


O que eu quero dizer é que Oldboy tem de fato tudo isso, e mesmo assim é um bom filme. Ele tem um estilo sombrio e perturbador, mesmo sem apelar para sustos baratos e efeitos especiais exagerados. Ele tem cenas de ação vicerais e intensas, mesmo sem apelar para uma violência gratuita ou, denovo, efeitos especiais exagerados. Tem um take único de cinco minutos no qual Oh Dae-Su espanca uma dezena de caras armados. Tem uma cena na qual ele come um polvo vivo, que precisou de quatro takes e quatro polvos. Tem sexo? Ah, tem. E é tão não-gratuito que eu acho que encareceu o preço do ingresso.









Como eu mencionei antes, o filme aparenta ser uma versão moderna, Oriental e ultra-violenta de O Conde de Monte Cristo. Ele na verdade se baseia num mangá, que por sinal também é excelente, mesmo que bem diferente do filme. Mas como eu também já havia mencionado, ele toma emprestado diversos aspectos das tragédias gregas, tanto na trama quanto na temática. Oldboy se assemelha em particular com uma tragédia que qualquer conhecedor de literatura ou dramaturgia certamente conhece, mas que eu não vou dizer qual é para não estragar a surpresa.


Para não dizer que eu só falo bem, eu gostaria de expressar um certo desgosto que eu tenho pelo final do filme. Não se trata da descoberta da identidade do sequestrador ou da causa da abdução, uma vez que isso vai ficando gradualmente claro ao longo de toda a trama, mas sim da última cena. Enquanto eu gosto da forma como ela é ambígua e aberta a interpetações, ainda assim é um desfecho fraco. Resolve certos conflitos de uma forma meio improvável, ao invés de culminar na desgraça total como seria de se esperar. Também não vou dizer que é um final feliz, porque quando você vê esse filme do início ao fim você sabe que um final feliz não é bem uma opção.


Não sei se isso ficou claro para a maioria dos leitores, mas é bom ter certeza: Olboy não é uma história agradável de ser ouvida ou contada. Aqui você vai ver coisas brutais e desumanas, em todos os sentidos, e vai se ver torcendo por um cara que come moluscos vivos e mata gente a marteladas. É preciso ter muito sangue de barata para não se alterar com o que te é apresentado aqui.


Enfim, o filme tem um final meio deus ex machina. Como eu gosto desse filme demais para criticar ele decentemente, eu acho que prefiro fingir que isso era a intenção de Chan-wook Park, que pretendia fazer uma referência às tragédias gregas de uma forma sutil na hora da conclusão. O tipo de coisa que só os espectadores mais espertos iriam sacar. Mas claro, isso não é o caso, e eu ainda odeio o final.








De uma forma ou de outra, Oldboy tem um lugar especial na minha lista de filmes favoritos. Ele merece o status que tem graças ao seu estilo único, o roteiro consistente e ainda uma boa dose de ação. Fãs desse filme também não pordem deixar de ver Mr. Vingança e Lady Vingança, os irmãozinhos espirituais de Oldboy. Todos os três filmes lidam de forma única com esse conceito abstrato que nos parece tão comum, mas que nesses casos se mostram capazes de culminar nas situações mais bizarras e nas consequências mais horrendas. Enfim, são fábulas para adultos sem uma moral no final. Oldboy definitivamente não é um filme para qualquer um. Aqueles com o estômago mais fraco e a mente vulnerável vão achar melhor deixar esse daqui passar. Mas dada a qualidade do filme, quem sai perdendo são eles.

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