domingo, 4 de outubro de 2009

Eraserhead











Dando início ao meu blog, eu gostaria de falar sobre o meu filme favorito; Eraserhead, o primeiro longa-metragem do diretor David Lynch, e provavelmente o filme mais estranho que ele já produziu e irá produzir na sua carreira como cineasta. O detalhe aqui é que estamos falando de ninguém menos que o David Lynch, cujos filmes são conhecidos por serem sempre (ou pelos menos na esmagadora maioria das vezes) um tanto mais estranhos do que qualquer filme preparado para o consumo humano deveria ser.


Eu acho que a única forma de realmente entender porque Eraserhead é tão estranho, é claro, é assistindo o filme. Mas isso pode ser explicado, pelo menos superficialmente; O filme é todo em preto-e-branco, mas não um preto-e-branco "leitoso" e "suave" como o dos filmes noir da primeira metade do século XX, com aquela fumaça de cigarro elegante e o jogo de luzes sutil entre a claridade e as sombras. O preto-e-branco de Eraserhead é sujo, sombrio, com um contraste quase que estourado. Talvez isso não soe tão medonho assim, mas uma vez que você entra de cabeça em um mundo com essas cores (no caso, a ausência delas) você vai ficando mais desconfortável a cada segundo que passa.











Agora que eu mencionei, talvez essa seja a melhor palavra para descrever a estética do filme: "sombrio". Não de uma forma fúnebre, mas quase como um pesadelo. Eraserhead tem uma espécie de atmosfera inquietante, mesmo sendo tão monótono na maioria das cenas. Esse estilo de perturbação psicológica não vem apenas da textura da imagem, mas também de um ruído quase que constante ao fundo, e do jeito taciturno (para não dizer neurótico) que os personagens se comportam.


Deixando toda a esquisitice de lado, Eraserhead tem um enredo bem simples. A história se passa em um ambiente industrial (inspirado na Philadelphia, onde Lynch viveu durante um tempo), uma paisagem escura e fria onde não tem muito o que se ver além de muros, chaminés e ruas elameadas. É nesse meio onde vive Henry Spencer, um sujeito introvertido e um tanto infeliz. Na verdade, Henry é bem infeliz, pois mora num apartamento claustrofóbico, tem um emprego monótono em uma indústria gráfica (do qual ele está "de férias" ao longo da história) e vive sozinho. É provavelmente a partir dessa solidão que ele se apaixona pela linda jovem do outro lado do corredor ("Beautiful Girl Across the Hall", como ela é creditada) do prédio onde vive, a qual ele não tem idéia de como se aproximar. Os hobbies de Henry também não ajudam muito a fazer sua vida infeliz mais divertida, já que eles se resumem a ouvir música numa vitrola e cuidar de uma planta fixada em uma pilha de terra em cima da cômoda. Acho que também vale a pena mencionar que ele tem um corte de cabelo muito escroto, mas além disso ser irrelevante, quem sou eu para falar?


Essa vida infeliz de Henry atinge um novo patamar de infelicidade quando ele recebe uma ligação de sua ex-namorada, Mary X, que o convida para um jantar na sua casa. Esse jantar termina sendo um econtro bastante desconfortável para Henry, já que além de Mary não morrer de amores por ele, a família dela é um tanto fora do comum. Tipo uma mãe constantemente mal-humarada, um pai constantemente sorridente, e uma avó catatônica. Depois de um jantar também não muito agradável, fica revelada a verdadeira intenção do encontro; Mary acabou de dar a luz a um bebê, e Henry é o único suspeito de ser o pai biológico. Como acontece com qualquer homem nessa situação, Henry é forçado a sustentar ela e o bebê mesmo contra vontade e suas afirmações de que é impossível que ele seja o pai da criança (você decide se ele fala a verdade ou não). O fator determinante do quão bizarro o filme chega a se tornar é quando a mãe de Mary conta a Henry sobre o bebê, ao que Mary responde:


"Mãe! Eles ainda não sabem se é um bebê!"


É. Isso aí.


Enquanto você cogita o que pode sair do útero de uma mulher que não seja um bebê, eu vou logo esclarecer. O verdadeiro astro do filme é esse bebê. 









Infelizmente eu não sei descrever o enredo desse filme a partir daí, mas acho que é melhor assim. É o tipo de coisa que você só compreende (ou não, o que por sinal é mais provável) quando você assiste. Basta dizer que a história vai ficando mais estranha em uma escala geométrica, se desenrolando através de sequências de sonhos envolvendo personagens como o "bebê mutante" de Henry, uma jovem sorridente com tumores grotescos nas bochechas e que canta uma bela canção, a linda vizinha, vermes que parecem espermatozóides e uma cena quase que avulsa ao resto do enredo que explica (ou não...) o título do filme.


Sem querer fazer trocadilho, mas a produção de Eraserhead foi um parto para Lynch. O então jovem cineasta passou mais de cinco anos do seu início de carreira se dedicando de corpo, alma e carteira a esse filme. Em uma determinada cena, Jack Nance (Henry) abre a porta do seu quarto e entra, enquanto o take seguinte dele entrando e fechando a porta fora filmado mais de um ano depois. Também vale a pena mencionar que Jack teve que cultivar o penteado ao longo desses cinco anos. E durante as filmagens, o bebê recebia uma atenção especial, uma vez que Lynch era o único que sabia manuseá-lo.


Esse bebê até hoje é um mistério para todos. Apelidado de "Spike" por Jack Nance, o "boneco" que interpretou o bebê era, supostamente, um feto de bezerro preservado. Mesmo que isso pareça fazer algum sentido, ainda assim não explica como eram executados os movimentos labiais da criatura. Porém, reza a lenda que esse feto ainda estava vivo, se mexendo, e emitindo sons. A pior parte é que essa teoria também faz algum sentido.










Mas no final, o maior problema para Lynch, é claro, era arranjar mais dinheiro ao longo da produção do filme. Não que esse não seja o caso de qualquer cineasta no início da carreira, mas no caso dele era um tanto mais complicado. Afinal, o que ele responderia quando os produtores em potencial lhe perguntassem sobre o que é o filme? Ou se eles quisessem ver o que ele tinha filmado até então? De qualquer forma, isso aparentemente deu certo, pois a produção de concretizou.


Eraserhead não foi o filme mais comercialmente bem-sucedido de Lynch, mas no final foi o que o lançou à indústria cinematográfica. Alcançou um status de filme cult, tendo entrado no meio underground do cinema americano como um dos celebrados "Midnight Movies" dos anos 70. Além disso, foi graças a esse filme que Mel Brooks chamou Lynch para dirigir O Homem Elefante anos depois. E dentre outros fãs notáveis de Eraserhead, temos o escritor Charles Bukowski, o diretor George Lucas (que gostou do filme ao ponto de querer oferecer a Lynch o cargo de diretor de O Retorno de Jedi) e ninguém menos que Stanley Kubrick. Quem por sinal afirma que é um dos seus filmes favoritos, e que quando foi dirigir O Iluminado, mostrou Eraserhead para o elenco e deixou claro que era aquela atmosfera que ele queria para o seu filme.


Eu agora imagino o Jack Nicholson morrendo de rir enquanto assiste Eraserhead. Provavelmente o tipo de filme no qual ele acharia graça.


Bom, não sei quanto ao Jack, mas Eraserhead é um filme que eu simplesmente adoro. Faço questão de recomendar para qualquer pessoa que gosta ou quer gostar de cinema, inclusive crianças e gente sob influência de alucinógenos. Tenho um orgulho muito fútil de ostentar o meu DVD do filme com um autógrafo do próprio David Lynch, quando ele veio aqui pelo Brasil no ano passado para o lançamento do seu livro sobre meditação trancedental, "Em Águas Profundas". Também achei curioso o fato de eu ter sido o único (pelo menos dentre as pessoas que eu vi) que pediu para ele autografar o Eraserhead, enquanto todos os outros pediam autógrafos para o livro em si, o Coração Selvagem ou o Cidade dos Sonhos. Isso diz alguma coisa sobre mim, mas eu não sei exatamente o quê e prefiro continuar sem saber.








Tietagem à parte, Eraserhead ainda é meu filme favorito. Fãs de surrealismo, terror psicológico ou filmes simplesmente estranhos não podem deixar de ver esse daqui. A melhor parte, eu diria, é o fato de que em momento algum da minha vida eu expliquei a alguém o significado de Eraserhead. Isso porque eu simplesmente não sei. Eu acho que assisti esse filme mais de vinte vezes e vi mais de vinte filmes diferentes. Talvez ainda hajam mais filmes "dentro dele" que eu ainda não vi, e que um deles faça algum sentido para mim. Razão pela qual eu vou continuar revendo. 

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