quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Clube da Luta











Muita gente não sabe, mas o famoso Clube da Luta de David Fincher é na verdade baseado num livro. O livro homônimo foi escrito por Chuck Palahniuk, um escritor norte-americano famoso por gostar de brincar com o lado estranho dessa nossa sociedade moderna, apresentando histórias bizarras e engraçadas. Porém, Chuck não gosta de ficar só na superficialidade de piadas de humor negro e situações inusitadas, e em seu trabalho dá pra notar um grande espírito anárquico e conspiracionista de um sujeito insano que não tem medo de dizer o que a gente tem medo de ouvir.


Se você já viu Clube da Luta, você já pode dizer que tem uma idéia de quem é Chuck Palahniuk. A maioria dos seus livros seguem o esquema do filme: humor negro, violência gráfica, cultura inútil, e acima de tudo, uma mensagem.















O filme nos conta a entediante e nem um pouco interessante história de um cara qualquer cujo nome não é mencionado uma vez que ele é simplesmente um sujeito insignificante e seu nome não é importante, vivido por Edward Norton. O protagonista em questão se trata de um infeliz qualquer com a vida mais miseravelmente chata que se possa imaginar, trabalhando o dia inteiro num escritório tedioso sob o controle de um chefe babaca. Empregado por uma empresa automobilística, seu trabalho consiste em fazer estatísticas de custo-benefício. Além de ser constantemente mandado em longas e tediosas viagens de avião que estragam o seu sono, ele é forçado a escrever relatórios sobre coisas que ele não entende e tirar cópias de documentos cujas finalidades ele não sabe.


Nosso herói passa o dia inteiro no seu trabalho enfadonho, mas basicamente porque não tem nada melhor pra fazer. Dessa forma, ele ganha um salário razoável, mas não tem idéia de como gastar o dinheiro já que ele não tem nenhum hobby. Para fingir que acha que esse dinheiro todo vale alguma coisa, ele vasculha catálogos de compras atrás de coisas caras que ele não precisa, comprando tudo o que vê e gastando todo o seu dinheiro enquanto entulha o próprio apartamento.


A vida do nosso bravo aventureiro termina entrando numa espiral infinita de chatice e infelicidade depois que, apesar de tudo que ele já tem que aturar, ele começa a sofrer de insônia crônica, fica dependente da infelicidade de gente moribunda para se sentir menos infeliz, e, o que é pior e mais intensamente insuportável: ele se apaixona. Sua vida chega a um ponto onde só o que resta é enlouquecer e destruir o mundo ao seu redor.











É nesse beco-sem-saída que o nosso herói conhece ninguém menos que Tyler Durden. Mas quem é Tyler Durden, você pergunta? Isso é um mistério. Pode-se dizer que ele é interpretado pelo Brad Pitt, mas fora isso, Tyler é um mistério em si. Um vendedor de sabonete caseiro com ideais niilistas e anarco-primitivistas, que nutre uma paixão pelo caos e a violência enquanto nutre um ódio pela cultura de consumo. Não é só por ser o perfeito oposto dele mesmo que o narrador se fascina por Tyler, mas também pelo jeito que ele anda, fala, se veste, e acima de tudo se porpõe a ajudar.


O que o nosso bravo herói não faz idéia é que a ajuda que Tyler oferece não se trata de um ombro amigo, mas sim de um punho.


É a partir desse ponto no filme que ficamos conhecendo as verdadeiras intenções de Tyler, e o próprio tema do filme fica claro. O Clube da Luta do título a princípio soa como algo tão simples quanto um bando de caras entediados atrás de uma forma prática de estravazar a raiva e provar sua masculinidade, mas depois acaba se mostrando como o primeiro passo de muitos passos que o narrador toma em direção a uma nova dimensão de caos e violência.











É um daqueles filmes que gera facilmente uma discussão ideológica entre amigos quando se é mencionado em meio a uma conversa sobre filmes. Rola muita contradição na cabeça do espectador quando ele vai se decidir de qual lado ele está enquanto assiste o filme. A grande dúvida para a maioria desses espectadores é a de se ele concorda ou não com Tyler. Afinal, Tyler é uma espécie de porta-voz do lado destrutivo e anárquico do homem moderno, aquele que a gente é ensinado a reprimir desde a infância. No fundo, nós queremos fazer as coisas do jeito que ele sugere, mas a gente sabe que isso só geraria mais problemas. Mesmo assim, há algo de sedutor na ideologia pregada por Tyler Durden, e quando nos deparamos com ela, começam a surgir dúvidas sobre a nossa própria sanidade.


Dito isso, bem vindo ao mundo do nosso querido narrador. Talvez o personagem dele não tenha nome simplesmente para que você possa batizá-lo com o seu próprio nome e assim se colocar no lugar dele. Dessa forma, é mais fácil para você se perguntar o que você faria se cruzasse com Tyler Durden, ouvisse o que ele tem a dizer, e fosse nesse Clube da Luta, assim como nosso herói. Como você deve imaginar, o Clube da Luta não é composto apenas por dois caras, mas sim vários deles. Todos eles passaram pelo que o narrador e o espectador passam ao longo do filme, sendo atraídos por Tyler e tendo seus gênios destrutivos instigados pela promessa de que a violência e a selvageria só deixam você mais livre e assim você constrói um mundo melhor. Mas o Clube da Luta é só o início, só o primeiro degrau de toda uma escadaria de ódio, caos e sabão.


Não é muito difícil entender porque o filme gera tanta polêmica dentro e fora das nossas mentes. O narrador representa aquele cara que todos nós temos medo de ser: infeliz, entediado, afetado e controlado por um sistema que ele nem sabe como combater. Já Tyler é o nosso herói, o cidadão modelo para o homem moderno; ele é carismático, sagaz, tem a cara de um galã de cinema (literalmente), espanca qualquer um, veste roupas estilosas, não tem nada a perder e sabe como combater o sistema que ele tanto odeia. Pergunte a qualquer um, de preferência você mesmo, qual dos dois você prefere ser.


A verdade é que Clube da Luta é um filme decididamente direcionado ao público masculino. Não que seja um "filme de macho", cheio de peitos e explosões, mas sim porque passa uma mensagem com a qual um espectador homem se identifica com mais facilidade. As espectadoras mais inteligentes com certeza não vão ter nenhuma dificuldade em se colocar na situação de um homem em crise, como no caso do narrador, mas a maior parte do público feminino não vai dar nenhuma importância aos conflitos internos do personagem principal e só vão querer ver o filme por causa do Brad Pitt.











Por falar no sujeito, eu diria que a atuação dele nesse filme é tão boa quanto o roteiro, o trabalho de edição e todos os outros pontos altos da produção. Ele e Fincher têm uma parceria de longa data, e fora Clube da Luta também fizeram Se7en e O Curioso Caso de Benjamin Button, ambos grandes sucessos. Brad Pitt se consagrou como galã de cinema, mas na hora de fazer personagens sujos e politicamente incorretos ele também não deixa a desejar. Bons exemplos desses personagens são o Tenente Aldo Raine, o anti-herói judeu do Bastardos Inglórios de Tarantino, ou mesmo o Mickey O'Neal de Snatch e o Early Grayce de Kalifornia, ambos caipiras sujos e homicidas que mesmo cabeludos e com a barba por fazer ainda têm a mesma cara do Brad Pitt que eu e você conhecemos. Mas talvez tenha sido em Clube da Luta que Brad Pitt mostrou para Hollywood que não era só mais um rostinho bonito, e que quando surgia a nescessidade de se encaixar numa produção um personagem cruel e carismático, lá estava ele de prontidão.


E claro, como ele não é o único bom ator no filme inteiro, também merecem menções honrosas os outros atores principais. Ed Norton transmite bem a infelicidade e o desespero do narrador no período pré-Clube da Luta do filme, e transmite igualmente bem a sua satisfação selvagem no pós-Clube da Luta. Também temos aqui pontas nobres de Meat Loaf ("His name is Robert Paulson.") e Jared Leto, que mal aparecem mas ainda assim marcam. Helena Bonham Carter, praticamente a única mulher do elenco inteiro, também não fica pra trás na pele de Marla Singer, uma personagem tão excêntrica, sombria e estranhamente atraente como ela própria.











Clube da Luta é um filme que por bem ou por mal marcou os anos 90. É o tipo de filme sobre o qual qualquer fã de cinema de hoje em dia já ouviu falar alguma vez, seja como a obra-prima de David Fincher, a suposta melhor atuação do Brad Pitt, o filme favorito de qualquer adolescente anarquista revoltado, ou mesmo o filme que gerou tanta polêmica logo aqui no Brasil, onde um atirador metralhou uma plateia num cinema da zona sul de São Paulo durante a exibição do filme. Mas no fim, tanto faz se Clube da Luta é amado ou odiado pela sua mensagem instigante e perigosa, pois essa polêmica ainda existe através dos anos, o que consolida o objetivo audacioso do nosso Chuck Palahniuk de nos mostrar o quão fácil é instigar o lado destrutivo de nós homens modernos. Até hoje, Tyler Durden ainda assombra o cinema com seus ideais anárquicos, urrando as duas primeiras regras do Cluba da Luta e brandindo suas barras de sabão explosivas.

sábado, 19 de dezembro de 2009

Laranja Mecânica









A teoria da distopia não é difícil de se entender. Basicamente, ela prega que o futuro vai ser violento e conturbado, tanto politicamente como no sentido literal. As primeiras imagens que nos vêm à cabeça quando ouvimos falar nessa tal distopia normalmente são governos totalitários, autoridades violentas, alienação, miséria pós-guerra, tecnologia perversa, cenários quase que pós-apocalipticos, e assim por diante. A nada-santíssima trindade da ficção científica distópica é formada por três livros até que bem famosos nos dias de hoje: "1984", de George Orwell; "Admirável Mundo Novo", de Aldous Huxley; e finalmente, "Laranja Mecânica", de Anthony Burgess.


O Laranja Mecânica de Stanley Kubrick se dá numa espécia de distopia artística. Quer dizer que tudo lá é estilizado de um jeito que nos parece bizarro e estravagante, mais do que para quem se deparou com esse universo na época que o filme foi lançado. Mas de qualquer forma, ainda é a mesma distopia criada por Burgess no livro; Uma Londres suja e violenta, populada por gangues-de-rua e regida por um governo fascista. É nesse ambiente hostil que conhecemos Alex e o seu mundo.











Alex DeLarge, o protagonista vivido por Malcolm McDowell, pode ser o protagonista mas não quer dizer que ele seja o mocinho. Nosso herói, vivendo nessa Londres distópica que eu mencionei, gosta de passar o tempo com sua gangue (seus "drugues", como ele os chama) fazendo coisas que você não ia gostar de ver seu filho fazendo. Por exemplo, o filme começa com Alex e os drugues tomando leite batizado com mescalina sintética para depois saírem na rua e espancar um mendigo irlandês a golpes de bengala e corrente. Isso são seus primeiros quinze minutos de filme.


Enfim, Alex é um garoto problemático. Ao longo do filme nós vemos ele assediar mulheres, roubar carros, brigar com outras gangues, invadir casas e outra infrações graves. Porém, isso não quer dizer que ele seja um marginal sujo qualquer. Não, não o nosso Alex. Desde o jeito que ele se veste até o seu amor pela música clássica (sobretudo a de um certo Ludwig Van), Alex DeLarge é um sujeito fino e elegante. Ele é um artista, mesmo que a sua arte sejam casas depredadas e pessoas com os ossos fraturados. Mas no fim, Alex é a vanguarda da marginalidade.


Mas claro, Alex é também um merda. Um belo dia, sua vida de crimes inconsequentes chega ao fim depois que ele, digamos assim, exagera na dose. Estranhamente ele não esperava ser pego nunca, e seu julgamento termina sendo uma surpresa para ele. Alex vai parar numa cadeia, e é aí que o filme toma sua famosa reviravolta. Nosso herói se propõe a ser "curado" através de um novo e misterioso tratamento médico para criminosos perigosos. Já que ele se encaixa tão bem no perfil proposto e não tem mais muito o que perder, ele se inscreve para ser tratado. O pobre e inocente Alex não faz idéia de que esse tratamento é tão ruim quanto qualquer coisa que ele já tenha feito na vida, e as consequências são ainda mais medonhas.












Você pode não gostar do Alex como pessoa, da mesma forma que eu não gosto. Pode querer bater nele com a própria bengala pra ver se ele gosta, da mesma forma que eu quero. Mas por bem ou por mal, Alex DeLarge é um grande personagem, e um desses que fizeram história no cinema. Malcolm McDowell diz que interpretar o sacana foi um verdadeiro desafio, especialmente na hora de fazer com que o personagem fosse tão cativante quanto desprezível. E foi mesmo uma bela performance, que inspirou uma geração inteira de vilões do cinema. Basta citar que foi o personagem que mais inspirou o nosso falecido Heath Ledger no seu papel como o Coringa.


Malcolm McDowell e Kubrick tiveram lá suas desavenças (quando Stan morreu, Malcolm só faltou falar "já vai tarde, o filho da puta"). Mas no final, o nosso diretor foi quem deu a Malcolm todo o apoio que ele precisou, deixando totalmente por conta dele a criação do caráter e da personalidade do Alex do livro de Burgess que apareceria nas telas do cinema. Stan chegou a comentar que se Malcolm não pudesse ou não quizesse interpretar o papel, o filme certamente não teria acontecido.










Laranja Mecânica também chama atenção nos visuais. Como eu mencionei antes, é um futuro estilizado. Aquilo que eu chamdo de "daqui a cinquenta anos, meio século atrás". Kubrick com certeza se superou na hora de criar uma estética própria para o filme, porque em momento algum do livro Burgess mencionou o traje icônico de Alex. Afinal, quem nunca viu essa imagem, de um rapaz de chapéu-coco e cílios postiços no olho direito, vestindo uma roupa branca com suspensórios e carregando uma bengala de gentleman britânico? Dá pra notar que muita coisa no filme foi idéia do próprio Kubrick, principalmente na parte dos visuais.


Vale a pena mencionar o quão difícil foi trazer esse filme pro Brasil na época do lançamento. Caso você não lembre, o regime militar estava em alta, e passar um filme cheio de estupro e agressão nos cinemas estava meio que fora de cogitação. Por outro lado, deixar esse filme fora do circuito dos principais cinemas seria um prejuízo absurdo. Se encontrando nesse impasse, a censura decidiu cortar algumas cenas, mas nas cenas "essencialmente" pornográficas eles iriam censurar apenas os mamilos e vulva da mulher. Para tanto, nossos criativos e habilidosos censores desenhavam um pontinho preto em cima das partes em questão em cada célula do filme. O problema era que de vez em quando a mulher andava e a bolinha preta ficava pra trás, revelando as partes íntimas para a alegria geral do público. É, eu sei, é muito ridículo, mas até o próprio Stan achou graça.


Passaram-se mais de três décadas e o filme ainda rende. Laranja Mecânica ainda é citado como uma obra prima de Stanley Kubrick, um dos filmes mais violentos de Hollywood, o pioneiro da ficção científica satírica no cinema, e uma dezena de outros títulos honrosos. Além disso, a controvérsia que o filme gera hoje em dia é tão grande quanto na época em que ele saiu. Isso é bom. Sinal de que diferente da decoração horrorosa e das fantasias dos drugues, o tema do filme não ficou datado. Afinal, existem muitas semelhanças entre o universo que Burgess imaginou e o mundo no qual eu e você vivemos. Hoje em dia existem milhões de jovens violentos e imorais que nem o Alex, e na maioria dos casos sem uma fração do senso de cavalheirismo dele. A mídia ainda tem o poder de fazer ou desfazer qualquer pessoa sem gerar perguntas, e hoje isso é ainda mais fácil. Os governantes, mesmo sendo outros, ainda não mudaram de idéia quanto a usar pessoas como ferramentas políticas. Há quem diga que a distopia de Burgess apresentada no cinema por Kubrick vem se tornando cada dia mais plausível e mais próxima da realidade. Mas também há quem diga que essa distopia não se trata do nosso futuro, mas sim do nosso presente.

sábado, 17 de outubro de 2009

Oldboy










O cinema do século XXI provavelmente não estava pronto no ano de 2003, quando o diretor coreano Chan-wook Park nos apresentou Oldboy. Talvez, se tivesse sido feito trinta anos antes e com um orçamento dez vezes menor, apimentado com doses e mais doses de violência gratuita e descoberto no ocidente apenas vinte anos depois, o filme hoje fosse uma pérola do cinema B oriental, do tipo que você comenta como sendo o filme vai violento e perturbador que você já viu na vida. Mas ao invés de tudo isso, Oldboy nos foi apresentado a menos de dez anos, como uma produção séria e um tanto quanto ambiciosa, e além de tudo fiel à sua própria temática. No final, talvez tenha sido melhor, porque é essa temática que faz do filme algo único.


Oldboy é parte da chamada "Trilogia da Vingança", composta por ele, Mr. Vingança e Lady Vingança. Os três filmes foram dirigidos por Park quase que em sequência ao longo da primeira metade da década, e tratam todos do mesmo tema. Esse tema é, evidentemente, a vingança, que nos é apresentada nos três filmes como uma espécia de fantasma que assombra as mais distintas pessoas pelas mais distintas razões, e que teoricamente só passa a descansar em paz quando a "justiça" é feita. Claro que isso tudo é só uma metáfora, eu não quero ninguém aqui indo ver esses filmes esperando ver filmes de terror.


Ou será que quero?










A verdade é que Oldboy pode ser mais aterrorizante do que qualquer filme de terror paranormal de segunda. E eu não me refiro à violência das cenas de ação, ou da brutalidade das cenas de morte ou tortura. Ainda mais porque a porradaria vista aqui não é mais intensa do que a dos filmes do Bruce Lee (talvez um pouquinho, na verdade), e a maioria das atrocidades são apresentadas off-screen. Oldboy é um filme perturbador do ponto de vista humano, tanto da história quanto da temática de tragédia grega que o filme toma.


Oh Dae-Su é um coreano de meia-idade, pai de família e homem de negócios. Uma bela noite, no dia do aniversário da sua filha Yeun-Hee, Oh Dae-Su termina indo parar em uma delegacia depois de exagerar na manguaça. Seu amigo Joo-Wan aparece por lá, e faz questão de pagar sua fiança e se desculpar pelo incômodo causado pelo colega embriagado. Depois, debaixo de chuva, Oh Dae-Su telefona para casa de um orelhão, para desejar a filhinha um feliz aniversário. Quando Joo-Wan pega o telefone para avisar à mulher do amigo que ele está passando bem, ele se toca que Oh Dae-Su simplesmente desapareceu.


A trama a partir daí se assemelha a uma versão moderna de O Conde de Monte Cristo; Vemos Oh Dae-Su preso em uma espécie de quarto de hotel mobiliado, sujo, sem janelas e uma porta que só abre pelo lado de fora. A comida é entregue por uma portinhola e por um sujeito que não se identifica, além de toda noite inundarem o quarto de Oh Dae-Su com um gás sonífero para lhe darem banho e trocarem suas roupas. Desnecessário dizer que ele não tem a mais vaga idéia de como ele foi parar lá e, o mais importante, por quê.


Depois de vermos Oh Dae-Su passar 15 anos nesse cárcere privado e se transformar em um psicopata violento e viciado em televisão, o filme toma sua primeira reviravolta: Nosso anti-herói é simplesmente libertado, e um belo dia acorda do lado de fora. Porém, ele tem pouco tempo para usufruir da liberdade, pois lhe são dados por um homem misterioso exatos 5 dias para descobrir a razão de seu sequestro e, o mais importante, uma chance de se vingar. E Oh Dae-Su, que mataria por essa chance, entra com tudo numa das mais brutais e estranhas jornadas da história do cinema.








Oldboy merece um crédito especial quando comparado a outros filmes de ação dos últimos anos. Às vezes parece que violência gráfica virou uma espécie de enlatado com um rótulo ridículo, ao invés de uma forma de expressão artística. O mesmo vale para outras perversidades nas histórias de ficção: sexo explícito, humor negro, atitudes geralmente policamente incorretas; Coisas que começaram com tabus e eventualmente viraram arte pelas mão de artistas tão talentosos quanto depravados. Hoje em dia é raro ver um filme com qualquer um desses elementos, quem dirá todos eles, que não os utilize só para satisfazer fantasias indecentes do espectador padrão.


O que eu quero dizer é que Oldboy tem de fato tudo isso, e mesmo assim é um bom filme. Ele tem um estilo sombrio e perturbador, mesmo sem apelar para sustos baratos e efeitos especiais exagerados. Ele tem cenas de ação vicerais e intensas, mesmo sem apelar para uma violência gratuita ou, denovo, efeitos especiais exagerados. Tem um take único de cinco minutos no qual Oh Dae-Su espanca uma dezena de caras armados. Tem uma cena na qual ele come um polvo vivo, que precisou de quatro takes e quatro polvos. Tem sexo? Ah, tem. E é tão não-gratuito que eu acho que encareceu o preço do ingresso.









Como eu mencionei antes, o filme aparenta ser uma versão moderna, Oriental e ultra-violenta de O Conde de Monte Cristo. Ele na verdade se baseia num mangá, que por sinal também é excelente, mesmo que bem diferente do filme. Mas como eu também já havia mencionado, ele toma emprestado diversos aspectos das tragédias gregas, tanto na trama quanto na temática. Oldboy se assemelha em particular com uma tragédia que qualquer conhecedor de literatura ou dramaturgia certamente conhece, mas que eu não vou dizer qual é para não estragar a surpresa.


Para não dizer que eu só falo bem, eu gostaria de expressar um certo desgosto que eu tenho pelo final do filme. Não se trata da descoberta da identidade do sequestrador ou da causa da abdução, uma vez que isso vai ficando gradualmente claro ao longo de toda a trama, mas sim da última cena. Enquanto eu gosto da forma como ela é ambígua e aberta a interpetações, ainda assim é um desfecho fraco. Resolve certos conflitos de uma forma meio improvável, ao invés de culminar na desgraça total como seria de se esperar. Também não vou dizer que é um final feliz, porque quando você vê esse filme do início ao fim você sabe que um final feliz não é bem uma opção.


Não sei se isso ficou claro para a maioria dos leitores, mas é bom ter certeza: Olboy não é uma história agradável de ser ouvida ou contada. Aqui você vai ver coisas brutais e desumanas, em todos os sentidos, e vai se ver torcendo por um cara que come moluscos vivos e mata gente a marteladas. É preciso ter muito sangue de barata para não se alterar com o que te é apresentado aqui.


Enfim, o filme tem um final meio deus ex machina. Como eu gosto desse filme demais para criticar ele decentemente, eu acho que prefiro fingir que isso era a intenção de Chan-wook Park, que pretendia fazer uma referência às tragédias gregas de uma forma sutil na hora da conclusão. O tipo de coisa que só os espectadores mais espertos iriam sacar. Mas claro, isso não é o caso, e eu ainda odeio o final.








De uma forma ou de outra, Oldboy tem um lugar especial na minha lista de filmes favoritos. Ele merece o status que tem graças ao seu estilo único, o roteiro consistente e ainda uma boa dose de ação. Fãs desse filme também não pordem deixar de ver Mr. Vingança e Lady Vingança, os irmãozinhos espirituais de Oldboy. Todos os três filmes lidam de forma única com esse conceito abstrato que nos parece tão comum, mas que nesses casos se mostram capazes de culminar nas situações mais bizarras e nas consequências mais horrendas. Enfim, são fábulas para adultos sem uma moral no final. Oldboy definitivamente não é um filme para qualquer um. Aqueles com o estômago mais fraco e a mente vulnerável vão achar melhor deixar esse daqui passar. Mas dada a qualidade do filme, quem sai perdendo são eles.

domingo, 4 de outubro de 2009

Eraserhead











Dando início ao meu blog, eu gostaria de falar sobre o meu filme favorito; Eraserhead, o primeiro longa-metragem do diretor David Lynch, e provavelmente o filme mais estranho que ele já produziu e irá produzir na sua carreira como cineasta. O detalhe aqui é que estamos falando de ninguém menos que o David Lynch, cujos filmes são conhecidos por serem sempre (ou pelos menos na esmagadora maioria das vezes) um tanto mais estranhos do que qualquer filme preparado para o consumo humano deveria ser.


Eu acho que a única forma de realmente entender porque Eraserhead é tão estranho, é claro, é assistindo o filme. Mas isso pode ser explicado, pelo menos superficialmente; O filme é todo em preto-e-branco, mas não um preto-e-branco "leitoso" e "suave" como o dos filmes noir da primeira metade do século XX, com aquela fumaça de cigarro elegante e o jogo de luzes sutil entre a claridade e as sombras. O preto-e-branco de Eraserhead é sujo, sombrio, com um contraste quase que estourado. Talvez isso não soe tão medonho assim, mas uma vez que você entra de cabeça em um mundo com essas cores (no caso, a ausência delas) você vai ficando mais desconfortável a cada segundo que passa.











Agora que eu mencionei, talvez essa seja a melhor palavra para descrever a estética do filme: "sombrio". Não de uma forma fúnebre, mas quase como um pesadelo. Eraserhead tem uma espécie de atmosfera inquietante, mesmo sendo tão monótono na maioria das cenas. Esse estilo de perturbação psicológica não vem apenas da textura da imagem, mas também de um ruído quase que constante ao fundo, e do jeito taciturno (para não dizer neurótico) que os personagens se comportam.


Deixando toda a esquisitice de lado, Eraserhead tem um enredo bem simples. A história se passa em um ambiente industrial (inspirado na Philadelphia, onde Lynch viveu durante um tempo), uma paisagem escura e fria onde não tem muito o que se ver além de muros, chaminés e ruas elameadas. É nesse meio onde vive Henry Spencer, um sujeito introvertido e um tanto infeliz. Na verdade, Henry é bem infeliz, pois mora num apartamento claustrofóbico, tem um emprego monótono em uma indústria gráfica (do qual ele está "de férias" ao longo da história) e vive sozinho. É provavelmente a partir dessa solidão que ele se apaixona pela linda jovem do outro lado do corredor ("Beautiful Girl Across the Hall", como ela é creditada) do prédio onde vive, a qual ele não tem idéia de como se aproximar. Os hobbies de Henry também não ajudam muito a fazer sua vida infeliz mais divertida, já que eles se resumem a ouvir música numa vitrola e cuidar de uma planta fixada em uma pilha de terra em cima da cômoda. Acho que também vale a pena mencionar que ele tem um corte de cabelo muito escroto, mas além disso ser irrelevante, quem sou eu para falar?


Essa vida infeliz de Henry atinge um novo patamar de infelicidade quando ele recebe uma ligação de sua ex-namorada, Mary X, que o convida para um jantar na sua casa. Esse jantar termina sendo um econtro bastante desconfortável para Henry, já que além de Mary não morrer de amores por ele, a família dela é um tanto fora do comum. Tipo uma mãe constantemente mal-humarada, um pai constantemente sorridente, e uma avó catatônica. Depois de um jantar também não muito agradável, fica revelada a verdadeira intenção do encontro; Mary acabou de dar a luz a um bebê, e Henry é o único suspeito de ser o pai biológico. Como acontece com qualquer homem nessa situação, Henry é forçado a sustentar ela e o bebê mesmo contra vontade e suas afirmações de que é impossível que ele seja o pai da criança (você decide se ele fala a verdade ou não). O fator determinante do quão bizarro o filme chega a se tornar é quando a mãe de Mary conta a Henry sobre o bebê, ao que Mary responde:


"Mãe! Eles ainda não sabem se é um bebê!"


É. Isso aí.


Enquanto você cogita o que pode sair do útero de uma mulher que não seja um bebê, eu vou logo esclarecer. O verdadeiro astro do filme é esse bebê. 









Infelizmente eu não sei descrever o enredo desse filme a partir daí, mas acho que é melhor assim. É o tipo de coisa que você só compreende (ou não, o que por sinal é mais provável) quando você assiste. Basta dizer que a história vai ficando mais estranha em uma escala geométrica, se desenrolando através de sequências de sonhos envolvendo personagens como o "bebê mutante" de Henry, uma jovem sorridente com tumores grotescos nas bochechas e que canta uma bela canção, a linda vizinha, vermes que parecem espermatozóides e uma cena quase que avulsa ao resto do enredo que explica (ou não...) o título do filme.


Sem querer fazer trocadilho, mas a produção de Eraserhead foi um parto para Lynch. O então jovem cineasta passou mais de cinco anos do seu início de carreira se dedicando de corpo, alma e carteira a esse filme. Em uma determinada cena, Jack Nance (Henry) abre a porta do seu quarto e entra, enquanto o take seguinte dele entrando e fechando a porta fora filmado mais de um ano depois. Também vale a pena mencionar que Jack teve que cultivar o penteado ao longo desses cinco anos. E durante as filmagens, o bebê recebia uma atenção especial, uma vez que Lynch era o único que sabia manuseá-lo.


Esse bebê até hoje é um mistério para todos. Apelidado de "Spike" por Jack Nance, o "boneco" que interpretou o bebê era, supostamente, um feto de bezerro preservado. Mesmo que isso pareça fazer algum sentido, ainda assim não explica como eram executados os movimentos labiais da criatura. Porém, reza a lenda que esse feto ainda estava vivo, se mexendo, e emitindo sons. A pior parte é que essa teoria também faz algum sentido.










Mas no final, o maior problema para Lynch, é claro, era arranjar mais dinheiro ao longo da produção do filme. Não que esse não seja o caso de qualquer cineasta no início da carreira, mas no caso dele era um tanto mais complicado. Afinal, o que ele responderia quando os produtores em potencial lhe perguntassem sobre o que é o filme? Ou se eles quisessem ver o que ele tinha filmado até então? De qualquer forma, isso aparentemente deu certo, pois a produção de concretizou.


Eraserhead não foi o filme mais comercialmente bem-sucedido de Lynch, mas no final foi o que o lançou à indústria cinematográfica. Alcançou um status de filme cult, tendo entrado no meio underground do cinema americano como um dos celebrados "Midnight Movies" dos anos 70. Além disso, foi graças a esse filme que Mel Brooks chamou Lynch para dirigir O Homem Elefante anos depois. E dentre outros fãs notáveis de Eraserhead, temos o escritor Charles Bukowski, o diretor George Lucas (que gostou do filme ao ponto de querer oferecer a Lynch o cargo de diretor de O Retorno de Jedi) e ninguém menos que Stanley Kubrick. Quem por sinal afirma que é um dos seus filmes favoritos, e que quando foi dirigir O Iluminado, mostrou Eraserhead para o elenco e deixou claro que era aquela atmosfera que ele queria para o seu filme.


Eu agora imagino o Jack Nicholson morrendo de rir enquanto assiste Eraserhead. Provavelmente o tipo de filme no qual ele acharia graça.


Bom, não sei quanto ao Jack, mas Eraserhead é um filme que eu simplesmente adoro. Faço questão de recomendar para qualquer pessoa que gosta ou quer gostar de cinema, inclusive crianças e gente sob influência de alucinógenos. Tenho um orgulho muito fútil de ostentar o meu DVD do filme com um autógrafo do próprio David Lynch, quando ele veio aqui pelo Brasil no ano passado para o lançamento do seu livro sobre meditação trancedental, "Em Águas Profundas". Também achei curioso o fato de eu ter sido o único (pelo menos dentre as pessoas que eu vi) que pediu para ele autografar o Eraserhead, enquanto todos os outros pediam autógrafos para o livro em si, o Coração Selvagem ou o Cidade dos Sonhos. Isso diz alguma coisa sobre mim, mas eu não sei exatamente o quê e prefiro continuar sem saber.








Tietagem à parte, Eraserhead ainda é meu filme favorito. Fãs de surrealismo, terror psicológico ou filmes simplesmente estranhos não podem deixar de ver esse daqui. A melhor parte, eu diria, é o fato de que em momento algum da minha vida eu expliquei a alguém o significado de Eraserhead. Isso porque eu simplesmente não sei. Eu acho que assisti esse filme mais de vinte vezes e vi mais de vinte filmes diferentes. Talvez ainda hajam mais filmes "dentro dele" que eu ainda não vi, e que um deles faça algum sentido para mim. Razão pela qual eu vou continuar revendo.